30 de mai. de 2012

Quando a lei é injusta


Irineu Tolentino

Algumas vezes, deparamo-nos com situações que mostram que a lei, como obra humana, pode conter defeitos, dentre os quais, justamente aquilo que ela pretende evitar: a injustiça.

As palavras frias, e, não raro, distantes da realidade humana, costumam escapar do nosso sentido. Tais desajustes, embora indesejáveis, são compreensíveis, pois o ser humano, sendo imperfeito, não produzirá coisas perfeitas, ainda que catalogadas como "leis".

Felizmente, uma lei não é um fim em si mesma, e provavelmente nunca será. É apenas um instrumento, uma cláusula para a convivência e harmonização da sociedade.

Assim, em algumas ocasiões, temos que revogá-la, corrigi-la ou aditá-la. Mas - seja pela urgência ou dificuldade -, nem sempre é possível percorrermos o difícil caminho do processo legislativo para debelarmos uma injustiça: ou aplicamos o princípio dura lex sed lex (a lei é dura, mas é a lei) ou o seu oposto tupiniquim dura lex sed latex (a lei é dura, mas estica). Este segundo caso costuma ser bastante aplicado no Brasil, infelizmente.

Não é por outra razão, que se repete nos corredores dos fóruns e Tribunais que "É melhor um bom juiz e uma má lei, que uma boa lei e um mau juiz".

Uma lei má pode ser corrigida por uma interpretação justa de um bom juiz, ao passo que o mau juiz torceria a boa lei mudando-lhe o sentido.

Essa atuação nobre, de buscar um sentido útil e justo da lei, não se restringe apenas aos juízes. Qualquer operador do Direito pode muito bem fazer esse papel e advogar em favor do bem e do justo, ao invés de defender cegamente o Direito, nú e cru, sem se preocupar com o ser humano.

A situação relatada abaixo, retrata muito bem isso. Ela demonstra a nobreza exemplar de um advogado, que optou por convencer seu cliente a deixar seu direito de lado - a despeito da lei que o protegia -, para dar lugar à caridade. Sim, por vezes, renunciar a um direito em favor de quem mais necessita é um ótimo exemplo de caridade, de humanidade e de progresso espiritual.

Sensibilidade jurídica 
Advogado desiste de dívida ao ver pobreza de fiadora


Por Rogério Barbosa


Em uma atitude que foi considerada nobre e sensível pela juíza Jaqueline Mainel Rocha, da 10ª Vara Cível de Brasília, um advogado aconselhou seu cliente a desistir de uma execução contra um fiador após constatar sua difícil situação econômica e baixo grau de instrução. “Fico imaginando por quanta angústia não passou a família depois de descoberto o erro. Desavenças na família, incertezas, doenças. ‘Vamos perder a nossa casa’. Que cidadão respeitará um estado que não lhe respeita?”, questiona o advogado em sua petição.


A petição emocionada do advogado se deu em um processo de execução contra fiador de locatário que não cumpriu com o pagamento dos aluguéis. A dívida atualizada chegou aos R$ 60 mil.


Na tentativa de fazer um acordo, o advogado procurou a família fiadora e se sensibilizou com a situação que encontrou. “Lá conheci Dona Eldina, fiadora executada, viúva, ex-faxineira da devedora principal, semianalfabeta, aposentada por invalidez, vivendo em uma delicada situação de pobreza na sua casa penhorada para garantir o pagamento da dívida. Nesse imóvel de sala e quarto, vive junto aos vários netos em idade tenra e cinco filhos adultos – gestantes entre eles. Casa humilde, mas que acolhe a mais de uma dezena de pessoas”.


Ressaltou ainda o advogado, que Dona Eldina não possuía qualquer habilidade para ler um contrato de aluguel ou interpretá-lo, quiçá compreender as obrigações de fiadora contraídas após a assinatura do texto.


“Fico imaginando por quanta angústia não passou a família depois de descoberto o erro. Desavenças na família, incertezas, doenças. Esse erro teria colaborado para o falecimento do marido? Sabe lá! Um efeito borboleta, uma reação em cadeira por ingenuidade, ignorância. Um Estado que errou na educação mínima e depois não a acolhe em razão da falta de educação”.


Realidade diversa
Apontou o advogado que em realidade bem diversa se encontra a família que locou o imóvel e usou Dona Eldina como fiadora. “Sua filha, primeira fiadora, leva uma vida maneira. Psicóloga, sabe ler um contrato e ainda escreve em inglês como ninguém. E ainda gasta uns bons vinténs acompanhando os shows da banda internacional ‘Scorpions’, viajando bastante, fazendo questão de postar suas fotos no Facebook e Orkut junto aos membros do grupo. Um contrassenso. Acolhe os cães, mas manda a incauta da faxineira e mais uma dúzia para a sarjeta” Enorme coração!”


Já a locadora do imóvel, servidora pública federal aposentada, excluída do polo passivo da ação por pedido de seu advogado, por outro processo similar. Uma ação de despejo no estado de Goiás. “Seria esse um hábito”, questiona o advogado.


Conclui o advogado que, “por mais Mané ou inábil que eu seja considerado como advogado neste momento por meus pares, eu não tenho a cara de pau, nem sou sádico o bastante para minorar o pouxo que resta para Dona Eldina e sua família. Achando que depois eu poderia ir no meu SUV comprar brioches no La Boulangerie, seguiria para minha confortável casa e jamais me lembraria do caso. Seria legal, mas seria imoral”.


Destacou a juíza que o advogado “mostra ímpar razoabilidade e percepção ao orientar sua cliente para que desistisse da demanda quanto à terceira executada, em face da situação desta de hipossuficiência, seja econômica, seja quanto ao próprio conhecimento do alcance do documento pelo qual se obrigou. Mostra, por fim, nobreza e sensibilidade por ter se dirigido ao imóvel penhorado, onde constatou a situação de injustiça que seria perpetrada, mesmo sob os auspícios da lei”.

Clique aqui para ler a íntegra da petição.

Clique aqui para ler a decisão da juíza.

Fonte: http://bit.ly/J7vkpl

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