– Corro o mais que posso. Não sei
para onde, estou perdida em meio a uma floresta densa e escura. À minha frente,
vejo apenas a parede verde das folhagens, dos caules das árvores cobertos pelo
musgo úmido, em muitos tons. Das folhas pingam gotas férteis de pólen, mas
estranhamente estou seca, nem mesmo o suor do cansaço molha minha roupa. Não
sei o que acontece, nem como, mas ao me atirar em direção à parede viva, esta
se abre como que num passe de mágica, para se fechar logo mais atrás de mim, de
minha desabalada carreira, meus pés mal tocam o chão, flutuando sobre o tapete
de relva e folhas caídas.
Não sinto medo, mas tenho que
continuar correndo cada vez mais rápido. Sou seguida. Mal ouso olhar para trás,
pois este simples movimento me faria perder terreno. Mas a curiosidade é maior
e acabo virando a cabeça, bem pouco, de maneira que possa medir a distância em
que estão minhas perseguidoras, com o canto dos olhos. Não se adiantaram, e
parece-me que intentam apenas seguir-me, sem contudo se aproximarem além do
ponto em que estão. Aumentam ou diminuem a velocidade, de acordo com aquela que
imprimo ao meu corpo.
Penso em parar e voltar-me contra
elas. O que aconteceria? Nas outras vezes que aconteceu de me perseguirem, não aventei
essa possibilidade, pois de alguma forma conseguira me esconder... O verde
intenso me envolve e me cede passagem, e sei que elas estão firmes em meu
encalço. “Como são ridículas!” – exclamo em voz alta, esperançosa de que com o
comentário elas se irritem e acabem com meu sofrimento, que me digam o que
querem, mas que não me matem com seu veneno poderoso. De imediato me martela no
cérebro uma pergunta: “Mas... qual é o motivo que impede que eu tome alguma
decisão?” Extenuada, finalmente paro e me volto para elas e caio numa
gargalhada que quase me sufoca, mas é impossível não rir. Estacaram todas ao
mesmo tempo, aquelas que deslizavam pelo chão, as outras que ondulavam os
corpos longilíneos no ar, em diversas alturas, e suas asas! Azuis... grotescas,
embora minúsculas, batendo velozmente, à semelhança de beija-flores. Permaneceram
paradas, não me atacaram, como seria de se supor. Observam-me, atentas a
qualquer movimento que eu faça. Dou um passo em sua direção, e elas recuam. Dou
mais um, e novamente recuam. Volto ao ponto inicial, elas avançam. Agora eu
fico irritada. Volto-lhes as costas e continuo meu caminho, mas andando,
novamente sendo seguida, na mesma velocidade dos meus passos. O que querem,
afinal?
Em uma das aberturas das árvores consigo
ver uma cabana, meio que próxima, e sigo em sua direção, correndo, pois percebo
que elas aceleraram seus coleios para me alcançar. Não querem que eu entre. Por
quê?
Abro a porta da cabana e entro
como um furacão, sem me preocupar se é habitada, se haveria alguma coisa de estranho
por lá. O aposento onde estou é minúsculo, inteiramente esverdeado, assim como
as paredes externas, e está iluminado por uma luz que não consigo divisar a
fonte. Intriga-me este fato. Olho por uma pequena fresta na porta e vejo minhas
perseguidoras paradas, da mesma forma que antes.
• • •
– Quer parar um pouco para um copo de água?
– Sim...
– Você conseguiu avançar bastante, por hoje.
Já consegue fazer uma análise até este ponto, ou prefere tentar um pouco mais?
– Não sei... estou um pouco insegura. Talvez
um certo receio de chegar ao final e de não gostar dele.
– Sente medo?
– Não. Apenas incomodada com a
situação, que não se resolve. Sempre paro em um ponto e dou um jeito de me
esconder, de fugir.
– O que significa a floresta para
você?
– É conflitante... perigosa e ao
mesmo tempo protetora...
– Sim. Essa é a sua natureza.
Para muitos povos ela é um espaço misterioso e sagrado, habitada por deuses
bons e maus, espíritos e demônios, por entidades sublimes e outras assustadoras.
Pode se referir simbolicamente ao irracional, mas também a refúgio, abrigo. Ao
oferecer proteção, simboliza concentração espiritual e interioridade. É símbolo
do inconsciente e da mulher. Em qual dessas significações você enquadraria sua
floresta?
– Creio que interioridade e
feminilidade... sim. É isso. Mas aqui me incomoda a simbologia fálica das
serpentes... e as asas? Por que fujo? Não deveria talvez me sentir lisonjeada?
– É um símbolo com inúmeras
interpretações, dependendo da cultura de cada povo, mas em síntese pode-se
dizer que simboliza a vida e a libido. Quanto às asas, remetem-nos a pássaros.
Você faz uma comparação entre as serpentes aladas e beija-flores. Vê-se no
pássaro um símbolo da sua personalidade. Há aqui uma tensão.
– Compreendo. A voluptuosidade
representada pela serpente versus a delicadeza e a pureza do beija-flor. Oras!
Beija-flores também transam. Não creio que ambos os símbolos sejam antitéticos
aqui, mas complementares. Vejo a coexistência de dois comportamentos...
– Sim, mas qual deles prevalece
sobre o outro?
– Ocorre-me que essa prevalência
se dê conforme o momento, a situação, enfim. Mas por quê a fuga?
– Reveja o peso de cada um. Estão
mesmo em equilíbrio? Existe a aceitação da sexualidade e da pureza como partes
integrantes da sua personalidade ou uma recusa em vê-las?
– A neutralidade soa estranha...
não. Não é isso. Um desejo oculto de liberdade? De não me deixar prender?
– A pensar. Mas há outros
símbolos – a cabana, a cor verde e a luz.
– Estou cansada. Não quero continuar
agora.
– Nova fuga?
– Sigi!
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