18 de jun. de 2012

Sigmund

– Corro o mais que posso. Não sei para onde, estou perdida em meio a uma floresta densa e escura. À minha frente, vejo apenas a parede verde das folhagens, dos caules das árvores cobertos pelo musgo úmido, em muitos tons. Das folhas pingam gotas férteis de pólen, mas estranhamente estou seca, nem mesmo o suor do cansaço molha minha roupa. Não sei o que acontece, nem como, mas ao me atirar em direção à parede viva, esta se abre como que num passe de mágica, para se fechar logo mais atrás de mim, de minha desabalada carreira, meus pés mal tocam o chão, flutuando sobre o tapete de relva e folhas caídas.
 
Não sinto medo, mas tenho que continuar correndo cada vez mais rápido. Sou seguida. Mal ouso olhar para trás, pois este simples movimento me faria perder terreno. Mas a curiosidade é maior e acabo virando a cabeça, bem pouco, de maneira que possa medir a distância em que estão minhas perseguidoras, com o canto dos olhos. Não se adiantaram, e parece-me que intentam apenas seguir-me, sem contudo se aproximarem além do ponto em que estão. Aumentam ou diminuem a velocidade, de acordo com aquela que imprimo ao meu corpo.
 
Penso em parar e voltar-me contra elas. O que aconteceria? Nas outras vezes que aconteceu de me perseguirem, não aventei essa possibilidade, pois de alguma forma conseguira me esconder... O verde intenso me envolve e me cede passagem, e sei que elas estão firmes em meu encalço. “Como são ridículas!” – exclamo em voz alta, esperançosa de que com o comentário elas se irritem e acabem com meu sofrimento, que me digam o que querem, mas que não me matem com seu veneno poderoso. De imediato me martela no cérebro uma pergunta: “Mas... qual é o motivo que impede que eu tome alguma decisão?” Extenuada, finalmente paro e me volto para elas e caio numa gargalhada que quase me sufoca, mas é impossível não rir. Estacaram todas ao mesmo tempo, aquelas que deslizavam pelo chão, as outras que ondulavam os corpos longilíneos no ar, em diversas alturas, e suas asas! Azuis... grotescas, embora minúsculas, batendo velozmente, à semelhança de beija-flores. Permaneceram paradas, não me atacaram, como seria de se supor. Observam-me, atentas a qualquer movimento que eu faça. Dou um passo em sua direção, e elas recuam. Dou mais um, e novamente recuam. Volto ao ponto inicial, elas avançam. Agora eu fico irritada. Volto-lhes as costas e continuo meu caminho, mas andando, novamente sendo seguida, na mesma velocidade dos meus passos. O que querem, afinal?
 
Em uma das aberturas das árvores consigo ver uma cabana, meio que próxima, e sigo em sua direção, correndo, pois percebo que elas aceleraram seus coleios para me alcançar. Não querem que eu entre. Por quê?
 
Abro a porta da cabana e entro como um furacão, sem me preocupar se é habitada, se haveria alguma coisa de estranho por lá. O aposento onde estou é minúsculo, inteiramente esverdeado, assim como as paredes externas, e está iluminado por uma luz que não consigo divisar a fonte. Intriga-me este fato. Olho por uma pequena fresta na porta e vejo minhas perseguidoras paradas, da mesma forma que antes.
 
• • •

– Quer parar um pouco para um copo de água?
 – Sim...
 – Você conseguiu avançar bastante, por hoje. Já consegue fazer uma análise até este ponto, ou prefere tentar um pouco mais?
 – Não sei... estou um pouco insegura. Talvez um certo receio de chegar ao final e de não gostar dele.
– Sente medo?
– Não. Apenas incomodada com a situação, que não se resolve. Sempre paro em um ponto e dou um jeito de me esconder, de fugir.
– O que significa a floresta para você?
– É conflitante... perigosa e ao mesmo tempo protetora...
– Sim. Essa é a sua natureza. Para muitos povos ela é um espaço misterioso e sagrado, habitada por deuses bons e maus, espíritos e demônios, por entidades sublimes e outras assustadoras. Pode se referir simbolicamente ao irracional, mas também a refúgio, abrigo. Ao oferecer proteção, simboliza concentração espiritual e interioridade. É símbolo do inconsciente e da mulher. Em qual dessas significações você enquadraria sua floresta?
– Creio que interioridade e feminilidade... sim. É isso. Mas aqui me incomoda a simbologia fálica das serpentes... e as asas? Por que fujo? Não deveria talvez me sentir lisonjeada? 
– É um símbolo com inúmeras interpretações, dependendo da cultura de cada povo, mas em síntese pode-se dizer que simboliza a vida e a libido. Quanto às asas, remetem-nos a pássaros. Você faz uma comparação entre as serpentes aladas e beija-flores. Vê-se no pássaro um símbolo da sua personalidade. Há aqui uma tensão.
– Compreendo. A voluptuosidade representada pela serpente versus a delicadeza e a pureza do beija-flor. Oras! Beija-flores também transam. Não creio que ambos os símbolos sejam antitéticos aqui, mas complementares. Vejo a coexistência de dois comportamentos...
– Sim, mas qual deles prevalece sobre o outro?
– Ocorre-me que essa prevalência se dê conforme o momento, a situação, enfim. Mas por quê a fuga?
– Reveja o peso de cada um. Estão mesmo em equilíbrio? Existe a aceitação da sexualidade e da pureza como partes integrantes da sua personalidade ou uma recusa em vê-las?
– A neutralidade soa estranha... não. Não é isso. Um desejo oculto de liberdade? De não me deixar prender?
– A pensar. Mas há outros símbolos – a cabana, a cor verde e a luz.
– Estou cansada. Não quero continuar agora.
– Nova fuga?
– Sigi!

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