Uma longa, histórica e bela entrevista com um dos maiores escritores brasileiros: Jorge Amado.
Aliás, ele foi mais do que um escritor, foi uma testemunha da História contemporânea e co-autor dos princípios liberais-democráticos na Constituinte de 1946.
Vale a pena ler de novo!
Do UOL
Aqui, o mais famoso escritor brasileiro depõe sobre literatura (e aponta seus mestres), política (recorda seus passado comunista), comenta a atual situação do País, pede justiça social, lembra seus amigos com carinho e fala de um bem que considera imprescindível: a liberdade.
"Eu tenho a impressão de
que,
às vezes, as pessoas, inclusive os jornalistas, não se dão conta
de que o país avançou. Ficam com uma imagem muito atrasada, muito
anterior do Brasil"
O que é ser escritor num país onde pouco se lê? Eu vou começar discordando. Eu acho que não é verdade. Começa-se a ler bastante, no Brasil. Há uma coisa muito curiosa. Eu tenho a impressão de que, às vezes, as pessoas, inclusive os jornalistas, não se dão conta de que o País avançou. Ficam com uma imagem muito atrasada, muito anterior do Brasil. Houve um momento que realmente não se lia no Brasil. Quando estreei o meu primeiro livro, há 57 anos, em setembro de 1931, uma edição de mil exemplares já era uma boa edição, dois mil já era excelente, três mil então... nem se fala... Quando José Olympio fez cinco mil exemplares de meu livro Jubiabá e de Banguê de José Lins do Rego, foi aquela coisa... o mundo vinha abaixo... cinco mil exemplares! Compreende? Nunca se tinha feito aquilo, pelo menos até aquele momento.
E como é que o sr. se sente sendo o escritor mais lido no Brasil? Eu me sinto mal. Porque acho que deviam ter cinqüenta escritores mais lidos no Brasil. Eu não sei se sou o escritor mais lido no Brasil, talvez. Há algum tempo, nós éramos dois: Érico Veríssimo e eu próprio. Deixa te dizer uma coisa, neste particular. Eu me sinto muito satisfeito de que hoje no Brasil existam já vários escritores que vivem da sua profissão de escritor. Houve um momento em que nós éramos dois no Brasil a viver dos nossos livros. O grande mestre da literatura brasileira que se chamou Érico Veríssimo e eu próprio.
Como é que o sr. vê a produção literária brasileira nos dias de hoje, na década de 80? Você fala da produção sob o ponto de vista editorial ou literário?
Sob o ponto de vista literário. Do ponto de vista literário acho que há uma coisa extremamente positiva. Há uma grande diversificação na literatura brasileira... esta diversificação sempre existiu, faz com que você tome autores contemporâneos e... deixa primeiro te dar um exemplo... veja por exemplo, José de Alencar e Machado de Assis. Você vê que é a mesma grande literatura brasileira, mas cada um com a sua matriz própria.
Dois grandes mestres. Eu acrescentaria três mestres em vez de dois: Machado de Assis, José de Alencar e Manuel Antônio de Almeida, apesar de autor de um único livro, a meu ver, tão importante quanto estes dois e com uma matriz sua própria, que não é nem a de Machdo nem a de José de Alencar. Agora, hoje, você tem uma imensa gama de nuances dentro da literatura brasileira, e de diversificações das mais variáveis, seja no que se refere ao conteúdo dos livros, a temática que move o escritor, seja a escrita do livro, aos programas relativos aos textos, a linguagem... mas se mantém a unidade brasileira. Você reconhece o escritor, antes eu diria, ou seja, em Guimarães Rosa, Clarice Lispector, José Lins do Rego, Érico Veríssimo ou Lúcio Cardoso. Hoje, você reconhece o escritor dentro de uma diversidade imensa de escritores. Quando comecei a escrever, meu amor, nos anos de 31 e 32, não eram mais que trezentos os que escreviam no Brasil. Nós nos conhecíamos a todos, líamos os livros uns dos outros, escrevíamos etc... Hoje, acho que só na minha rua, na rua Alagoinhas, lá onde moro, no Rio Vermelho, deve ter uns quinhentos escritores. São Paulo deve ter uns... sei lá... pululando, uns cem ou duzentos mil.
A quantidade nem sempre significa qualidade. Mas, isso é importante, porque é importante que existam numericamente escritores para que exista uma literaturaa. Isso é importante. O que é que parece importante para mim? É que, quando comecei, nós éramos todos amadores. Porque é que comecei a viver de livro? Porque nós tínhamos uma mentalidade profissional. Eu passei miséria, mas nunca quis ser outra coisa senão escritor. Comi o pão que o diabo amassou. Se não tivesse um pai... que não era rico, mas era remediado, e que era extremamente atento, apesar de que ele tinha tido muita vontade que eu fosse doutor, médico, ou isso ou aquilo... felizmente o meu irmão que está ali (aponta para o seu irmão que está assistindo à entrevista) lhe deu esta alegria, ele foi médico, enquanto que eu e James demos, de descarados, para escritor. Mas ele (meu pai) foi muito generoso e muito orgulhoso dos seus filhos escritores. E ele me ajudou muito, se não eu teria passado fome e... mas lutei para ser escritor.
E se tornou um escritor profissional. Esta mentalidade profissional que não existia já começa a existir. Eu não diria que ela seja ainda a mentalidade dominante e geral, ainda há muitos de mentalidade amadora, que é anti, contra a literatura, porque em vez de você trabalhar para a literatura, você vai fazer vida literária, que é uma desgraça, né? Vida literária é fuchico, é o grupismo, é a pequena coisa, é o elogio mútuo, toma cá, dá lá, e etc... esta coisa medonha, né? Mas começa a haver mentalidade profissional, sobretudo entre os jovens. Isso me dá uma grande alegria. Eu tenho certeza de que amanhã, como em países como a Inglaterra, a França, Itália, como os Estados Unidos e só falo do mundo capitalista, para não falar do mundo socialista, que é a mesma coisa os escritores brasileiros sejam escritores, desde o começo do seu trabalho, e nenhuma outra coisa, não sejam médicos que escrevem nas horas vagas, compreende? O que é muito ruim. Isso me parece um fato novo dentro da literatura brasileira que me dá várias possibilidades, além de que no meu tempo, quando surgia um escritor ou outro, o número era pequeno, isto é, o escritor válido. Já nos dias de hoje surgem muitos escritores porque são muito mais aqueles que escrevem.
E há, ainda, os que não conseguem publicar. Há, evidentemente, uma grande quantidade de coisas muito ruins, eu mesmo sou testemunha disso. Você me dizia há pouco que sou um escritor muito lido e que tem público e etc... sou muito solicitado por gente que tem livros e quer publicar, e sou muito sensível a isto, porque fui um jovem escritor, e sei o quanto devo àqueles que me ajudaram no difícil começo, que é o começo de um escritor. Mas, posso te dizer que de trinta livros um tem uma importância, vinte e nove não prestam. Mas tem um que é bom.
Como foi o seu contato com os "subterrâneos" da vida baiana? Subterrâneos? A própria cidade na Bahia tem uns subterrâneos, que os jesuítas, que os padres faziam seus comunicados, de convento em convento, onde padres e freiras faziam patifarias. Tinha muita patifaria nos conventos, que é o lado mais simpático destes conventos. Agora, não falaria dos subterrâneos da vida baiana, eu diria a vida popular baiana, que conheço de uma forma íntima.
É uma vivência que marca toda a sua obra. Eu vou te dizer uma coisa, já que falávamos há pouco do escritor. Eu acho que o escritor verdadeiro é aquele que escreve sobre o que ele viveu. Eu andei pelo mundo todo. De vez em quando as pessoas me dizem: Ah, por que você não escreve um romance sobre a Índia? Não posso. Eu não posso escrever sobre aquilo que não conheço, que não vivi, que não está dentro de mim. Aquilo que conheço por ouvir dizer, por ter lido e etc... não posso escrever. Então tenho um conhecimento da vida popular baiana, da cultura popular baiana, do povo da Bahia, realmente íntima, porque desde muito criança convivi de uma forma muito íntima com o povo da Bahia, seja na minha infância nas fazendas de cacau, daí toda a parte sobre a região cacaueira, sobre a conquista da terra, a vida dos trabalhadores, a vida dos jagunços, a vida dos coronéis, que está distribuída em cinco livros, né? Cacau, Terras do Sem Fim, São Jorge dos Ilhéus, Gabriela, Cravo e Canela, Tocaia Grande e aquele pequeno volume de lembranças de infância. E também a vida do povo das cidades da Bahia.
O sr. disse que Mar Morto é seu romance preferido. Não é verdade. Eu nunca disse que Mar Morto é meu romance preferido. Na realidade, é o meu romance que me sinto muito intimamente ligado. O que recorri quinhentas vezes com os mestres de saveiro , meus amigos, até hoje tem mestres saveiros, meus amigos, que ainda estão vivos! Recorri todo o Recôncavo... a vida do povo baiano, a vida do povo dos candomblés, a vida das festinhas de ruas, isso tudo conheço como as palmas de minhas mãos. A velha Bahia, conheço como as palmas de minhas mãos. É tudo o que aprendi e toda a minha obra e está aí, não saiu daí, tudo o que sei aprendi e trago dentro de mim. E ainda hoje, apesar de tantos anos, apesar das mudanças todas que existiram da vida baiana, nas cidades e tudo isso, ainda a minha ligação é extremamente íntima com o povo da Bahia tanto quanto as peças que tenho lá, sejam nas nacionis ou estrangeiras que lá estão.
Falando da Bahia, acho dois baianos geniais, que foram Castro Alves e Glauber Rocha. Eu faria então duas perguntas. Primeiro, como o sr. se sente sendo conterrâneo de Castro Alves? Segundo, falando de Glauber, que considero o maior cineasta brasileiro, indubitavelmente, como foi sua relação com Glauber, e o sr. gostaria de ter visto um romance seu filmado por Glauber Rocha? Eu vou te responder primeiro ao que diz respeito a Castro Alves. Castro Alves é para nós todos o exemplo do que deve ser um intelectual, que deve ser um escritor, um poeta por excelência. Ele é nosso grande poeta do amor, não há maior que ele na nossa poesia, e é também o poeta que se bateu por todas as causas nobres do povo brasileiro. A causa da Abolição, a causa da República, a causa da liberdade.
Atualmente na sua poesia. Não só na sua poesia como na sua ação de cidadão, fundador de causas abolicionistas, dando fugas a escravos etc... Ele e Luís Gama. Eu creio que o branco e o negro (branco até onde um baiano pode se dizer branco), o branco e o negro que exprimiram a síntese do que é o intelectual brasileiro, na luta contra a escravidão, contra o preconceito racial. Eu estudei, inclusive, no colégio que era na casa onde morreu Castro Alves. Diziam que a alma dele aparecia, às vezes. Eu nunca vi. Mas... Glauber... o que é que posso dizer de Glauber? Glauber foi como um filho meu, foi como o João que está ali (aponta para o filho ali perto), compreende? Quer dizer, conheci Glauber menino, e toda aquela geração, e o acompanhei até o fim, quer dizer, eu... (emocionado) aconteceu-me uma coisa terrível que foi ter assistido a Glauber morrer.
O sr. acompanhou os últimos dias dele. Durante mais de um mês em Lisboa, Portugal, desde o momento que Glauber foi internado em Sintra. E depois nós o trouxemos para Lisboa, João Ubaldo e eu, nós eu digo Zélia, minha mulher, João Ubaldo Riberio e eu próprio. Até o momento em que conseguimos embarcar Glauber para o Brasil e infelizmente já sem... eu não creio que tivesse salvação. Ele tinha um câncer de pulmão bem avançado, terrivelmente avançado, acho que sem possibilidades.
O sr. se identifica com a obra dele? Quanto à obra obra de Glauber, acompanhei desde os primeiros passos de documentários dele, da Bahia, e a cada filme, e de certa maneira a nossa obra tem uma relação de parentesco. Glauber... nós tínhamos uma relação mais do que fraterna, quase que de pai e filho, quase que paterna e filial... sua morte para mim... levei quase um ano para poder recuperar o equilíbrio emocional depois da morte de Glauber. Você disse que ele é o maior cineasta brasileiro, e digo que não só um grande cineasta como um grande brasileiro, um dos maiores brasileiros do nosso tempo e um dos mais injustiçados. Glauber foi vítima do patrulhamento ideológico mais monstruoso, sujeitos que depois que ele morreu vieram dizer que ele era isto ou aquilo, mas que o patrulharam, que o levaram a querer sair do Brasil, a querer ir embora para não ficar aqui, de tal maneira que ele foi insultado, das coisas mais miseráveis, quando ele era o único que estava vendo claro. O que aconteceu aqui, Glauber viu muito antes.
Como o sr. situa o trabalho de Glauber como cineasta? Eu acho que Glauber está entre os vinte maiores cineastas do nosso tempo, um dos vinte maiores cineastas da história do cinema. Se ele tivesse nascido num país capitalista, e não no Terceiro Mundo, e tivesse nascido no Primeiro Mundo, ele era um homem hoje cujo nome estaria ao lado de Orson Welles e gente assim. Então, ele era um homem extraordinário... é uma pena que ele tenha morrido tão jovem, quando ainda... Quanto a livro meu, Glauber pensou em filmar todos os livros meus e não filmou nenhum deles. Para mim... você diz se foi uma decepção? Não digo que seja uma decepção, porque acho que há um parentesco tão grande entre os grandes filmes dele, como o Deus e o Diabo na Terra do Sol, o Terra em Transe e sobretudo aquele O Dragão da Maldade..., em toda a sua temática do cangaço, do sertão, do latifúndio, da luta pela terra, etc... o que está na obra dele está na minha também.
Já que estamos falando de Glauber, e falar nele é falar sobre o Brasil, o sr. acha que Gilberto Freyre foi um pioneiro no estudo da alma brasileira? Eu vejo a obra de Gilberto Freyre como uma das mais importantes. Eu discordei muito de Gilberto durante a minha vida, por posições políticas. Eu tive uma militância política comunista, todo mundo sabe notório, durante muitos anos, e aliás, fomos colegas na Constituinte de 46. Eu era deputado comunista e Gilberto era deputado da UDN... discordamos muitas vees, mas, o fundamental é que me sinto muito feliz e orgulhoso de ter sido contemporâneo de Gilberto Freyre, de ter assistido à publicação de Casa Grande & Senzala em 1933, na edição Schmidt. Todos os grandes livros daquele tempo eram da edição Schmidt, que era a editora de vanguarda, digamos, dirigida pelo poeta Augusto Frederico Schmidt, que publicou todos os grandes daquele tempo. Mas o livro de Gilberto Freyre nos deu a nossa identidade brasileira, ele nos ensinou como é que somos brasileiros.
A ver o Brasil com olhos brasileiros. O Gilberto tinha uma grande coisa. Os livros de Gilberto têm todas as coisas, têm marxismo, têm... têm todas as coisas... Ele usava tudo, e não era, absolutamente, nenhuma por completo. Ele era Gilberto Freyre. Homem de talento extremo.
Ele se dizia um conservador revolucionário. É possível. No fim da vida ele dizia que era anarquista. Eu creio que bastante justa... nós somos todos um pouco anarquistas, aqueles que buscam viver um pensamento livre, que não é fácil. Então, a importância de Gilberto é imensa. Ele é o principal. Ele foi do nosso tempo, e o que a gente pode dizer? O principal autor brasileiro. Eu não te digo nem o principal poeta que este foi Carlos Drummond, figura de poeta e cidadão incomparável e, para mim, o principal romancista se chamou Graciliano Ramos.
O sr. que atualmente reside na Europa, poderia nos dizer como o Brasil é visto, hoje, lá fora, no Velho Continente? Primeiro vou te dizer que não moro na Europa coisa nenhuma. Eu passei na Europa estes dois últimos anos mais tempo do que no Brasil, porque estou trabalhando num livro, e aqui é impossível para mim. Aqui, em qualquer parte é impossível, porque sou... não tenho a menor privacidade aqui, sou atropelado pela mídia em geral, pela televisão... a televisão na Bahia me entra pela casa adentro sem avisar, a propósito de qualquer coisa, né? Querem saber tudo. Porque que Gilberto Gil não foi escolhido? Eles vão saber a minha opinião. Eu não sei por que Gilberto Gil não foi escolhido. Na minha opinião, sei que ninguém poderia ser melhor representativo, melhor prefeito da cidade de Salvador, da Bahia, do que Gilberto Gil, que é o próprio povo da Bahia, que é a própria cidade da Bahia... mas... é assim... aqui não posso escrever já não é de hoje.
Quando começou isso? Tieta do Agreste escrevi em Londres, no ano de 79, e só foi possível fazer esse livro porque estava disposto a fazer como fiz com Tocaia Grande, passei um ano trancado dentro de uma casa, fugindo de casa em casa; porque estive trancado numa casa nova do João, estive trancado numa casa lá no Maranhão, quando descobriram eu tinha que ir para outra lá em Petrópolis, que passei mais um ano na serra, sem sair, então fui para Paris. Eu moro em Paris.
Em sua opinião, qual é a imagem verdadeira do Brasil? Eu acho que é bem diferente desta imagem que você (felizmente), que você lê na mídia brasileira, né? Que você tem a impressão de que o País está assim, naufragando. Não é verdade , é mentira. Uma invenção tola, da qual todo mundo vai se dar conta brevemente. Você é ainda muito menino, não viu o que foi o governo de Juscelino. Meu amor, o pau que Juscelino levou, nem Sarney está levando. O que menos se dizia de Juscelino era que tinha roubado o Brasil todo e tinha posto nas contas do estrangeiro. Eu me lembro de uma reportagem em manchete: "É a sétima fortuna do mundo a de Juscelino". Você vê. Hoje há um culto a Juscelino, ou seja, se reconhece o que Juscelino é, de forma que o Brasil andou no tempo. Eu me lembro que no tempo da ditadura militar, eu um dia estava parado na avenida... no Corredor da Vitória, na Bahia, eu esperando meu carro chegar para sair, e um senhor que estava na frente de mim para pegar um ônibus me disse assim: "Cada vez que (naquele tempo só tinha Volkswagen), cada vez que passa um carro deste vejo o quanto Juscelino foi grande". No entanto este homem levou um pau que... ele viveu amargurado, porque ele levava isso muito a sério.
O que é que se pensa do Brasil na Europa? Que é um país que tem um número de imensas dificuldades. Com esta dívida externa que é a maior do mundo, que nem eu nem você fizemos. Os militares, os generais, os que governaram aqui durante vinte e um anos fizeram esta dívida externa para construir obras faraônicas, compreende? Que não nos servem de grande coisas. Como aquela estrada da Transamazônica que a floresta comeu no dia seguinte. Como esta barragem, este negócio de Itaipú... que serve para sustentar um velho ditador no poder, que é este paraguaio que foi mais uma vez feito presidente da República.
O sr. acha que somos culpados? Nós o sustentamos. Se nós não tivéssemos construído esta coisa para garanti-lo no poder, ele já tinha caído. Para nós, nos serve pouco. Esta dívida externa é que pesa sobre nós, ela existe e está aí, e todos nós estamos pagando... e não há governo... você pode colocar quem você quiser, escolher seu sucessor, qualquer um destes paulistas: Ulysses, Covas, Orestes, Ermírio, Fernando Henrique, quem você quiser, bota lá, e ele vai ter a dívida em cima da cabeça, e não vai resolver, e não me pergunte como se resolve isto porque não entendo picas deste negócio de economia. Agora, qual é a imagem fiel do Brasil? Que é um país jovem, poderoso, riquíssimo, onde desgraçadamente esta riqueza pertence a um pequeno grupo que oprime a imensa maioria da nossa gente. Mas que é um país que avança. Que não é o mesmo hoje que era há cinqüenta anos, né? Eu conheci São Paulo... primeira vez que vim a São Paulo foi no ano de 1933.
Já tinha livros publicados. Eu tinha publicado Cacau e vim fazer uma conferência num Centro de Cultura, dirigido por Flávio de Carvalho, o grande homem de São Paulo, que está, infelizmene, muito esquecido. E São Paulo era uma pequena cidade provinciana, e agora, esta coisa monstruosa que você tem aí hoje. Esta é a imagem do Brasil na Europa: a de um país jovem, que tem problemas enormes, mas que tende a solucioná-los. Quanto a mim, cheguei aqui no Brasil depois de sete meses. O que eu lia lá, de vez em quando a Varig me manda O Globo, Jornal do Brasil, O Estado de S. Paulo, e eu leio. Eu chego no Brasil e o que é que encontro? Eu encontro o País no final da votação de uma Constituinte. Eu fui daquela Comissão Pré-Constituinte onde fizemos um anteprojeto, que me parece que era extremamente progressista. Algumas coisas deste anteprojeto não foram aprovadas, infelizmente, como o parlamentarismo... mas vejo que está se ganhando uma multidão de coisas, extremamente progressistas.
A Constituinte deu certo? Eu nem imaginava que esta Constituinte chegasse onde está chegando. Anteontem, acabaram com a censura de vez, né. A gente encontra a censura em qualquer lugar, espero que a tenham acabado de vez mesmo, para sempre, né? Mas, acabou pela Constituição. Não pode haver mais censura. Tem que se garantir a execução do artigo da Constituição. O Brasil vive um clima de absoluta e total liberdade. Você pode dizer o que quiser, e dizem todo o dia, né? Todo dia se insulta o presidente da República, não é? Se xinga a mãe diariamente, né? E não acontece nada. Vai xingar a mãe do general Geisel, um homem com grandes qualidades, apesar disso, foi ele quem começou todo este processo, mas fosse xingar a mãe dele... e a do Médici então te arrancariam as unhas e ovos. Estamos numa liberdade, o que acho extraordinário. Nós estamos realmente construindo um país democrático, um estado democrático e de direitos. No dia em que esta Constituição for promulgada, nós estaremos num estado democrático e de direitos. Isto era a primeira coisa que tinha de ser feita. Porque, sem isso, você não sai para solução de nenhum problema. Você sai pra cadeia, você sai pra ver os militares no poder.
Como o sr. vê o futuro brasileiro? Eu sou muito otimista, muito. O Brasil é um país de uma força enorme. Nós somos um continente, meu amor. Nós não somos um pequeno paisinho, nós somos um continente, com um povo extraordinário. E, se você pensa no povo brasileiro, e, se você reflete um minuto... o pessoal não gosta muito de refletir, não é? Pense um pouquinho... Esse povo que nasce da mistura. Da mistura de sangues, de raças, de culturas. Nesse leito de amor que tem sido o Brasil desde a descoberta, até os nossos dias, onde se deu esta coisa imensa, esta formação de uma nação mestiça, a única do mundo, com uma cultura original e única. Quando digo que não sou um escritor latino-americano, e que sou um escritor brasileiro, é exatamente para marcar a originalidade da nossa cultura, que nasce dessa mistura, onde matrizes vindas da Europa, e não única apenas, não vinda apenas da Ibéria, que é a mais importante. A portuguesa, mas também a italiana, a alemã, as eslavas, mas, sobretudo, a matriz européia, a matriz indígena e a matriz negra. as três igualmente importantes. Mas sempre digo que o nosso umbigo é a África.
Por quê? Ali é que está o mais fundamental de tudo. Se você vai raspar... raspar... você pode não encontrar de repente, mas encontra um deles, mesmo aqueles que não têm sangue negro. Minha mulher é brasileira, muito brasileira, filha de pai e mãe italianos. Não digo que seja branca, por que aquela coisa na Itália também não é estas purezas todas, basta ver Otelo, né? Eu sempre digo a ela, vem devagar... Olha o Otelo... Agora, mas mesmo, por exemplo, Zélia, consciência mestiça. A sua concepção de cultura de misturas. Essa é a nossa grandeza, isso é que marca o nosso humanismo, que lhe dá a sua originalidade.
Mas é um povo que sofre muito. Dificilmente você verá um povo mais sofrido _ que vive numa situação tão de miséria, tão de opressão _ do que o nosso. Existe, por exemplo, a Índia. Eu conheço a Índia. A situação é semelhante, mas, qual é a diferença? É que o povo brasileiro não está vencido. O povo de lá não tem nenhuma esperança; e ele está lá esmagado dentro daquela coisa religiosa, tremenda, o fanatismo, que é tudo voltado para a morte... e aqui o nosso povo? O nosso povo está voltado para a vida.
Foi a África que nos deu isso? Foi a África que nos deu isso, foi o negro que nos deu esta força vital que ele tem. O português é melancólico, o europeu em geral é voltado muito mais para a morte do que para a vida. O próprio indígena é meio assim. Mas, o negro, esse não, esse era voltado para a vida, e chegou aqui como escravo, quer dizer, na pior ds condições humanas, né? E, no entanto, resistiu. Lutou desde o momento que o primeiro negro desembarcou do navio negreiro no Brasil, ele lutou contra a escravidão... você tem os Palmares, você tem aí o poeta Luís Gama, você tem aí o poeta Castro Alves, você tem esta luta formidável. O povo brasileiro tão sofrido, povo que vive nas favelas, o povo das cidades como Salvador, Recife, como São Paulo, ou qualquer cidade brasileira. É esse povo que faz o Carnaval. A maior festa... a maior festa brasileira... originalíssima... não tem nada a ver com os outros carnavais, de Nice, de Veneza. Isso aí é uma bestice. Aqui não se usam máscaras, aqui o Carnaval é o que é, uma festa do povo, é uma festa da cultura popular, é a maior festa da cultura popular que há no mundo. E isso é o povo brasileiro, que cria, porque esse povo não está vencido, esse povo está de pé, e é isso que deve nos dar confiança e certeza de que amanhã o Brasil será maior e melhor.
Atualmente, o sr. acredita em revolução social? Olha... é um negócio difícil. Você me faz agora uma pergunta muito complicada e muito difícil. Se você me perguntasse isso nos anos 50, nos anos emque escrevi Os Subterrâneos da Liberdade, no tempo em que era ali um stalinista retado, um bolchevique, eu te diria que... ah, sim... a revolução social... vamos fazer. Quando leio aí certos líderes que são exatamente os que não são líderes da classe operária, você tem a impressão de que vai haver uma revolução e tanto, e não é tão fácil assim.
Faltam condições objetivas? Você vê que o tempo e os problemas se modificaram profundamente. Você está vendo o que está se passndo no mundo socialista, não é? Quando Marx previu a "débâcle" do capitalismo, a crise geral do capitalismo, ele previu no século XIX, e nós estamos no século XX, e não se deu a crise geral do capitalismo. Então, você vê que países que fizeram essa revolução , de uma maneira ou de outra... a revolução que houve mesmo foi a Revolução Russa de 17, depois, o que houve de revolução? Se você pára para analisar seriamente a questão, nos países do leste europeu, Polônia, Tcheco-Elováquia, Hungria, Bulgária, Romênia, não a Iugoslávia, que lá foram os iugoslavos que a libertaram, mas, nos outros países, foi o exército vermelho, na sua vitória contra o nazismo, que entregou o poder aos comunistas, à esquerda, digamos assim, aos partidos comunistas.
E Cuba? Essa revolução só se transformou numa revolução socialista algum tempo depois de vitoriosa... Inicialmente, Fidel não chegou ao poder com este caráter, ele chegou ao poder como um liberal-democrata, contra a ditadura Batista, buscando aqui e ali... O fato de que ele foi rejeitado pelos Estados Unidos, sobretudo, fez com que se desse a aproximação com a União Soviética e que houvesse uma evolução no pensamento de Fidel, mas foi uma revolução. E depois, cadê outra? Me diga? Não há.
Talvez na África... Você diz dos países africanos, mas não houve revolução propriamente dita, houve alguma luta de guerrilha importante nos países, hoje, independentes, que eram colônias portuguesas, os outros que eram colônias inglesa e francesa; a luta de libertação foi, sobretudo, parlamentar, compreende? Menos do que uma luta armada, que as próprias condições do após-guerra levaram a que a França, a Inglaterra, a Bélgica e outros países colonialistas dessem a independência para continuar a manter um domínio econômico e político sobre estes países. No caso das colônias portuguesas foi diferente. Foi a vitória contra o salazarismo, o levante militar, a Revolução dos Cravos, que deu a libertação... mas você vê que todos esses países estão com problemas terríveis, né?
Tudo isso conduz a que tipo de reflexões? Hoje, há que refletir em termos diferentes. Por exemplo, a primeira reflexão é que sem democracia não há socialismo, sem democracia, qualquer que seja o governo, marchará para uma ditadura terrível, no sentido da limitação da liberdade. Mesmo que você obtenha grandes vitórias na área social, você terá uma opressão política violenta, e isso está claro, está aí, nem mesmo os dirigentes comunistas são capazes de negar este fato, nem mesmo os albaneses.
Quando o sr. diz que a sociedade só será justa quando aliar os princípios do socialismo às garantias de liberdades individuais, como isso é possível? Não sei. É difícil pra burro. Eu não sei se os meus netos verão isto, talvez os seus netos vejam isto. É fatal. Porque a humanidade marcha pra diante. O socialismo é fatal. O socialismo não depende de você, nem de mim, nem de ninguém. O socialismo é a marcha inexorável da humanidade que marcha pra frente. Agora, para se chegar ao socialismo verdadeiro, que o indivíduo, a sua individualidade não chega a ser esmagada, dizendo-se que é em função do coletivo, na realidade, sendo em função dos donos do poder... aí, nós vamos andar muito caminho, não tenho a menor esperança de ver, e nem sei se os meus netos verão isso, compreende? Agora, temos que lutar por isso. Porque a nossa luta caminha para isso. Só a luta mesquinha, daqueles que querem o poder imediato, que lutam para se obter alguma coisa imediamente, que é vã. A luta real e verdadeira é aquela que se faz no desejo de se obter aquilo que um dia será realidade.
O sr. escrevia na explicação introdutória de seu livro O País do Carnaval que aquele romance relatava apenas a vida de homens que seguiram os mais diversos caminhos em busca do sentido da existência. Hoje, mais de 50 anos depois de o sr. ter publicado aquele livro, como vê o sentido da existência? Há sempre um momento em que você é um grande escritor. Quando escrevi O País do Carnaval, tinha 18 anos, e tinha 19 quando o livro saiu. Eu achava que era um escritor formidável, ia abafar, e resolver tudo, e pensava que estava escrevendo o romance da minha geração, gente que começava a escrever e que buscava um caminho. Eu acho que sempre se busca um caminho, a minha própria experiência pessoal diz isso.
A sua militância comunista foi uma dessas buscas? Eu sempre fui, durante muitos e muitos anos, fui militante comunista, quer dizer, achava que ali, naquela fronteira, é que poderia ser útil ao meu povo, ser útil ao Brasil, ser útil à humanidade; de certa maneira, alguma coisa fiz, certamente fui útil na luta pela paz, na luta pela democracia no Brasil, contra o Estado Novo; porém, pra fazer isso, tive que abandonar qualquer tentativa de ter um pensamento livre meu, e de pensar pela cabeça dos dirigentes do PC , seja do brasileiro, seja dos PCs estrangeiros, dos países onde vivi. Então, naquele tempo, a minha solução era esta.
Depois deixou de ser. Depois deixei de ser, depois achei que esta sociedade que nascia deste pensamento também oprimia o homem no sentido de sua liberdade, que desconhecia o valor do indivíduo, que negava esse valor, achando que só havia um valor no mundo, que era coletivo, sem saber entrosar estas coisas. Desde então, vem de muito tempo que passei vários anos sem escrever, fazendo pequenas tarefas para o Partido Comunista, que acho que muitas outras pessos poderiam fazer.
O sr. se afastou do partido para poder escrever? Quando decidi... vinha lutando com a direção do partido há três anos para que me liberassem, para voltar a ser escritor, depois de ter escrito Os Subterrâneos da Liberdade, passei anos e anos sem escrever nada, e, não tendo conseguido, deixei de ser militante, sem me ter tornado inimigo do Partido Comunista. Eu tenho pelo Partido Comunista uma grande estima, acho que lá dentro estão os homens mais generosos, homens que se batem pela solidariedade, se batem pela liberdade, que têm esta concepção _ ao meu ver é estreita a concepção que eles têm , mas eles são homens generosos, e tenho grande admiração por eles, e tive entre eles, e tenho ainda, amigos admiráveis.
Também na cúpula do partido? Um dos homens mais admiráveis que conheci no Brasil, que morreu no ano passado, que se chamou Giocondo Dias, quando morreu era secretário geral do Partido Comunista do Brasil. Eu o conheci da mesma maneira como conheci Glauber, tão intimamente, como conheci Glauber Rocha. Com ele, fizemos muita coisa juntos. Foi um homem extraordinário, um homem de uma grandeza humana enorme. Agora, hoje vejo com esta concepção que te digo. Eu acho que nós devemos lutar pelo socialismo, porque é justo, é correto, agora, para o socialismo com democracia, sem o que estamos capados todos nós.
Eu acho que 1930 foi um período muito importante para o Brasil, o fim do coronelismo, o início da modernização no Brasil... O que signifiou 1930 na sua vida? Não só na minha vida, como na vida do Brasil como você disse, e para a literatura brasileira, significou muito. Primeiro porque, ao contrário dos sucessivos golpes militares, tentativas de golpes que existiram, que vieram a existir depois, culminando com o golpe de 64, 30 foi uma revolução e não um golpe de Estado.
Em que sentido? Foi uma revolução, no sentido de que houve não só mudança, mas ela chegou com um apoio de massa enorme no Brasil; depois ela chegou até um certo ponto, e aí houve um acordo que é sempre a tradição política do Brasil, que vem do Império... mas aí houve a mudança da vida econômica. O imperialismo inglês deixou de ser dominante e passou a ser o imperialismo americano. Você teve o fim do coronelismo, é verdade, ele foi morrendo, ficou aos poucos... mas realmente foi o golpe fundamental nisso. Você teve uma modernização na vida política, com as eleições que vieram com a Revolução de 32, não é? Você teve o começo da industrialização. Dali, você parte para dois fatores importantes que deram uma luta longa: Volta Redonda, o que os americanos se opuseram de toda maneira e que nós finalmente conquistamos, e o petróleo. O petróleo, que era negado: vinham umas pessoas aqui e diziam que no Brasil não há, nem dentro de mil anos haverá, uma gota de petróleo. E o petróleo estava aí, né? Nós ganhamos uma grande batalha do povo brasileiro...
Monteiro Lobato... Lobato. O grande Lobato. Quando eu fui condenado à cadeia, eu estive preso em 45 na cela em São Paulo em 45, fui preso aqui, fui para a mesma cela, eu e Caio Prado Júnior, para a mesma cela onde Lobato tinha gramado seis meses de cadeia porque dizia que já existia o petróleo. O Partido Comunista teve um papel muito importante nesta luta, chefiado neste tempo por Prestes. Teve um papel muito importante nesta luta. Então 30 mudou completamente.
E do ponto de vista da literatura? Trouxe a visão dos problemas brasileiros que o modernismo não tinha realmente sabido ver. O modernismo fez uma transformação formal. Apesar de Macunaíma, apesar de sobretudo a obra de dois autores, a meu ver: Mário de Andrade e Raul Bopp. Mas é a Amazônia lá em cima, distante, que eles buscam tocar. Você vê que o conhecimento da relidade era tão pequeno que estes dois autores tão importantes, que foram Mário de Andrade e Raul Bopp, e suas obras fundamentais, foram tocar na Amazônia, 30 trouxe o romance que toca os problemas brasileiros.
De Norte a Sul. No Sul, Érico Veríssimo, não só Érico, como Ciro Martins, e sobretudo o grande mestre da literatura brasileira que foi Dionélio Machado. Trouxe os romancistas do Nordeste e de Minas. Lúcio Cardoso é de Minas, não se pode esquecer que o romance de 30 como se fosse o romance de Graciliano, de José Lins, meu, da menina... da Raquel, e dos demais que foram também romancistas do Nordeste, mas você tem, também, os do Sul, você tem Érico, você tem Lúcio Cardoso, você tem Otávio de Faria, você tem José Geraldo Vieira, então, um conglomerado deles. E só foi possível a existência da poesia de Carlos Drummond de Andrade., por causa Revolução de 30. A poesia de Carlos Drummond de Andrade não precede a revolução. Ela vem com sua força total, a poesia de Carlos Drummond de Andrade, a poesia de Murilo Mendes, a poesia de Augusto Frederico Schimidt são produtos da Revolução de 30.
E por falar no Drummond, o sr. respondeu certa vez a Jacques Chancel, da Antenne 2 (TV francesa), que um Nobel de Literatura para o Brasil deveria premiar o nosso poeta nacional Carlos Drummond de Andrde. Hoje, um ano após a morte de Drummond, como fica o Brasil e o Nobel. Eu vou te responder. A minha resposta é a seguinte: acho prêmio em geral uma bestice. Um escritor que se preze, ele não escreve para prêmio, você escreve por outra coisa. Você escreve para servir, escrevo para servir, servir ao meu povo, servir à minha gente, e para o meu prazer. Eu tenho um grande prazer em fazer um romance. Nesse romance que acabei de fazer agora, tem uma pequena entrada que diz: "Escrevendo este livro eu me diverti enormente. Se alguém com a sua leitura se divertir, eu me dou por satisfeito". Por que acho uma obrigação da literatura divertir. Tem uns caras aí que acham o contrário. Escrevem uns livros chatos. São de uma chatice... Agora, o Nobel. O Prêmio Nobel, como qualquer outro prêmio... muito bem... todos os prêmios que me dão recebo, agradeço, muito obrigado, mas nunca me candidatei a nenhum deles, e acho que o Brasil... que o Prêmio Nobel tem muita fama, mas essa coisa de que tem importância é muito relativa.
E por que o Nobel perdeu importância? Porque ele foi ganho, foi dado a figuras da maior importância na vida literária, e, sobretudo, devido a coisas de ordem política. O Brasil já devia ter tido o Prêmio Nobel há muitos anos. Alguns brasileiros morreram sem ter ganho o Prêmio Nobel, o que foi uma grande injustiça. Você falou em Drummond, e você sabe que me bati por Drummond a vida toda. Gilberto Freyre merecia o Prêmio Nobel, Guimarães Rosa, Érico Veríssimo, todos estes quatro nomes que estou te citando mereciam ganhar o Prêmio Nobel, e estou falando de gente mais recente. Acho que o Brasil merecia, já devia ter tido, e mais dia, menos dia, terá, não serei eu, certamente, sempre achei esse negócio, do meu ponto de vista, uma chatice. Tem gente que me vem e diz: e o Prêmio Nobel? Cadê? Como se eu tivesse... primeiro porque não mereço e, se eu fosse membro da Academia de Ciências da Suécia, não votaria em Jorge Amado. Eu acho que não mereço.
Não merece? É verdade. É o que acho. Agora, a literatura brasileira merece, isso é outra coisa. Eu sou um modesto escritor baiano, um modesto romancista baiano, e um romancista de muita sorte, não nego a realidade, conhecido mundialmente, sou traduzido em 48 línguas, com um público na Itália enorme, um público de língua espanhola enorme. Pra governo teu, está saindo uma edição russa popular de Gabriela de três milhões de exemplares... Eu sou um escritor de muita sorte. Eu tive mais da vida do que mereci, do que pedi. A começar pela companheira que tive, pela minha mulher, pelos meus filhos, pelos irmãos que tenho, gente da melhor qualidade. Sou um homem muito feliz com a vida.
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