Por Marco Antonio L.
Da Istoé Dinheiro
Guido Mantega: "O Brasil será o país da produção, não da especulação"
A presidenta Dilma Rousseff convidou os governadores ao Palácio do
Planalto na sexta-feira 15 para anunciar a criação de uma linha especial
de crédito de R$ 20 bilhões para os Estados, destinada a estimular o
investimento no País.
Por Guilherme BARROS, na Dinheiro
Depois do baixo crescimento do PIB no primeiro trimestre, o governo
partiu para o ataque. A prioridade é o investimento. Em entrevista
exclusiva concedida à DINHEIRO, o ministro da Fazenda, Guido Mantega,
afirma que não existe distinção entre estímulo ao consumo e o
investimento. “A cada oito medidas de estímulo ao investimento, tomamos
duas para o consumo”, afirma. Mantega também rebate as críticas de
excesso de intervencionismo na economia. “Nunca existiu.” Sobre a
redução da euforia em relação ao Brasil, diz que o entusiasmo só acabou
para os especuladores. “O Brasil será o país da produção, não da
especulação.” Para ele, o País vive hoje uma revolução com a queda da
taxa básica de juros. “Com a Selic neste patamar, as aplicações no
mercado financeiro vão ser deslocadas para o mundo real”, diz Mantega,
que ainda aposta num crescimento do PIB acima de 3% para este ano.
DINHEIRO – O governo adotou várias medidas de estímulo ao
investimento, como o crédito especial de R$ 20 bilhões aos Estados. É
uma resposta às críticas dos que consideram insuficiente privilegiar
apenas o consumo para combater a crise?
MANTEGA – É um equívoco fazer essa dicotomia
entre o consumo e o investimento. Os dois têm de ser estimulados. O
investimento não ocorre sem um mercado de consumo e vice-versa. Temos
estimulado o investimento desde sempre, tanto que ele cresce há vários
anos consecutivos.
DINHEIRO – Mas está em queda, agora.
MANTEGA – Em
momentos de crise, o investimento sempre se retrai. O investimento é
mais sensível às expectativas e à crise internacional. O que se tem de
fazer, neste momento, é reproduzir a fórmula vencedora que utilizamos em
2008/2009, que é estimular alguns programas de consumo, aqueles que têm
impacto maior na economia, mas, ao mesmo tempo, também incentivar o
investimento. Para cada oito medidas de estímulo ao investimento, temos
tomado duas para estimular o consumo.
DINHEIRO – Os investimentos públicos estão travados?
MANTEGA – Os
investimentos do governo federal só têm aumentado. Muitos tomam como
base apenas um segmento, uma área específica, e se esquecem do todo. Em
vez de uma floresta, só olham uma árvore. O PAC, neste ano, é maior do
que em 2011. São R$ 42,5 bilhões, e, no ano passado, foi pouco mais de
R$ 30 bilhões. Será o maior PAC desde 2007, quando foi criado. Só nos
primeiros quatro meses deste ano, houve um aumento de 50% na liberação
de recursos do programa. É claro que alguns setores estão com um
desempenho menor do que no ano passado, mesmo porque só temos, até
agora, os números de quatro meses de execução. Ao longo do ano, isso
muda.
DINHEIRO – O governo tem sido
criticado pelo excesso de intervencionismo na economia. Para muitos, a
imagem do Brasil começa a ser afetada. Como o sr. recebe essas críticas?
MANTEGA – Isso
nunca existiu. O governo tem dialogado com vários setores. No caso do
setor financeiro, por exemplo, temos tentado persuadi-lo com o diálogo e
a concorrência. Não usamos nenhum instrumento de coação com os bancos
privados. Eu e o Tombini (Alexandre Tombini, presidente do Banco
Central) temos conversado com os presidentes dos bancos para discutir a
realidade brasileira, compartilhado com eles a situação e tentado
convencê-los de que é importante fazer uma política anticíclica, e não
pró-cíclica. Eles já quebraram a cara lá atrás ao fazer uma política
pró-cíclica. Também temos usado a arma da concorrência, ao estimular os
bancos públicos a liberar mais crédito.
DINHEIRO – Diminuiu a euforia com o Brasil?
MANTEGA – O
que acabou foi o entusiasmo daqueles setores especulativos que faziam
arbitragem no Brasil. A arbitragem diminuiu, porque nós criamos
barreiras, como o IOF, diminuímos a sua rentabilidade, e, também, porque
a Selic vem caindo. Nós nos tornamos menos atrativos para os que fazem
arbitragem e mais atrativos para quem faz investimento direto. O
investimento direto foi recorde, no ano passado, ao atingir a marca de
US$ 67 bilhões. Neste ano, em 12 meses, está em US$ 63 bilhões. O Brasil
será o país da produção, e não da especulação. Claro que aqueles que
ganhavam dinheiro fácil com a arbitragem estão contrariados.
DINHEIRO – Muitos defendem a desoneração de impostos para ampliar os investimentos. O governo estuda medidas nesse sentido?
MANTEGA – O
principal estímulo é a redução dos juros. Nunca tivemos uma Selic nesse
patamar. A Selic de 8,5% significa uma revolução na estrutura produtiva
e uma quebra de paradigma. O Brasil está vivendo uma reforma
estrutural, de magnitude que ainda não foi mensurada, com um efeito
gigantesco.
Obras da usina hidrelétrica de Santo Antônio, em Rondônia.
DINHEIRO – Essa pode ser a maior bandeira do governo Dilma?
MANTEGA – Essa
é a maior reforma estrutural que está sendo feita no Brasil, neste
momento. Não é a única, mas é a maior em termos de impacto para a
economia brasileira. A economia brasileira sempre foi prisioneira de
juros altos e dívida elevada. A queda dos juros não só alivia o setor
produtivo como também melhora a situação fiscal da União. A União paga
menos juros. A despesa financeira cairá entre R$ 30 bilhões e R$ 40
bilhões, o equivalente a 1% do PIB.
DINHEIRO – Isso permite ao governo gastar mais?
MANTEGA – Permite
ao governo investir mais. Caminhamos neste ano para um déficit nominal
de 1,2% do PIB, um dos menores do mundo. Isso acontece, em parte, por
causa da redução dos juros.
DINHEIRO – E o déficit primário? O governo vai cumprir a meta?
MANTEGA – O
primário será de 3,1% do PIB. Vamos cumprir a meta. O importante é que,
com a Selic nesse patamar, as aplicações que estavam no mundo
financeiro começam a ser deslocadas para o mundo real. Quem ganhava 1,5%
ao mês não ganha mais isso na renda fixa. As pessoas vão acabar
buscando investimentos, no mercado imobiliário ou em debêntures, por
exemplo. Vão se sentir atraídas a aplicar em títulos ligados à produção.
Quando essa crise amainar, a bolsa vai se tornar bastante atrativa. Não
há hoje onde ganhar dinheiro no mundo. Quem aplica nos Estados Unidos,
quem está correndo para o Fed (o Banco Central americano), o pessoal que
corre para o Bundesbank (o Banco Central da Alemanha) está perdendo
dinheiro. Assim que acalmar um pouco, para onde eles vêm? Aqui ninguém
está perdendo dinheiro.
DINHEIRO – O que garante tanto otimismo?
MANTEGA – O
Brasil é um lugar seguro. Estamos hoje com a melhor situação fiscal de
todos os tempos. É um dos poucos países no mundo em que a dívida em
relação ao PIB está em queda. Vamos fechar este ano com menos de 36% da
dívida em relação ao PIB, o que nos garante uma situação sólida , além
de inflação baixa e sob controle e juros em queda. Os juros para
investimento são os menores da história. O BNDES tem R$ 150 bilhões para
emprestar, e nós ainda estamos aumentando as linhas de capital de giro
do banco. Nestes últimos três anos, o BNDES emprestou R$ 450 bilhões, um
volume extraordinário direcionado a investimentos.
DINHEIRO – O que falta para despertar o espírito animal do empresário?
MANTEGA – Falta
confiança. Essa crise atemoriza um pouco, gera insegurança, mas tenho
certeza de que o empresário brasileiro está vacinado. Ele viu, como em
2008/2009, quando a crise foi pior, que nós passamos por ela. O
empresário sabe que o País é capaz de passar bem por uma crise, e hoje
temos mais força do que antes. Temos o dobro de reservas internacionais e
o compulsório do Banco Central está em R$ 400 bilhões. Estamos com todo
o arsenal pronto para ser usado se necessário for, e se não for
necessário, melhor ainda.
Leilão de aeroportos na BM&FBovespa, em fevereiro.
DINHEIRO – O câmbio está no lugar adequado?
MANTEGA – O
câmbio está melhor do que há um ano, e isso dá competitividade para uma
parte importante da indústria brasileira. Como os mercados estão
travados, não é possível enxergar isso agora. Com a crise, se exporta
menos. Mas, assim que destravar o mercado, os produtos brasileiros
estarão mais competitivos. Estamos melhorando a nossa competitividade
sob vários aspectos. Menor custo financeiro, menor custo tributário e
menor custo cambial. São os três pilares que melhoram a competitividade
do produto brasileiro.
DINHEIRO – O sr. não teme que a queda do investimento acabe se refletindo no emprego?
MANTEGA – Absolutamente.
Claro que, se essa situação persistir, pode acontecer, mas é por isso
que temos que tomar medidas de estímulo. Não podemos deixar cair o
emprego. Já revertemos esse quadro. O setor automobilístico, que ia
conceder férias, desistiu e está vendendo mais. O setor de linha branca
também.
DINHEIRO – Depois desse trimestre fraco, qual a sua previsão para o comportamento da economia no resto do ano?
MANTEGA – A
rigor, a economia permaneceu no mesmo patamar. O PIB tinha crescido
0,2% no trimestre passado, e ficou em 0,2%. O que puxou para baixo foi a
agricultura com a quebra de safra da soja, a quebra de safra de fumo, a
seca, foram problemas inesperados. Não foi a indústria que derrubou. A
indústria cresceu 1,7%, o que, anualizado, significa 6%. No segundo
trimestre, o PIB será certamente muito maior do que no primeiro. No
segundo semestre, vamos estar crescendo a um ritmo de 4,5%. E devemos
fechar o ano acima de 3%.
DINHEIRO – O que preocupa mais o governo? A desaceleração na China ou a crise na Europa?
MANTEGA – A
desaceleração na China já foi estancada. De fato, houve uma
desaceleração e o governo chinês, à semelhança do que fizemos, vem
tomando medidas de estímulo ao consumo e ao investimento mirando mais
crédito.
A China voltou a importar os produtos na mesma magnitude que estavam importando antes. A Europa é o grande problema.
DINHEIRO – E qual a expectativa para a reunião do G20 na próxima semana?
MANTEGA – A
expectativa para o G20 é de ter uma reunião que seja decisiva. Não dá
para continuar empurrando com a barriga. Os europeus estão presos numa
armadilha, num círculo vicioso, no qual o setor financeiro se deteriora,
o produtivo está parado, e alguns países podem quebrar. Eles precisam
mudar a política econômica e de ajuste fiscal.
Nenhum comentário:
Postar um comentário