O maior desafio da imprensa
Coluna Econômica
- 02/04/2012
Nos próximos meses, a liberdade de imprensa
no Brasil enfrentará um dos maiores desafios da sua história: demonstrar
capacidade de se abstrair do corporativismo e proceder a uma análise corajosa e
isenta sobre fatos que começarão a jorrar nos próximos dias.
Trata-se da ligação da revista Veja com o
crime organizado. Mais especificamente com o bicheiro Carlinhos Cachoeira e seu
oficial maior, senador Demóstenes Torres.
Cachoeira elegeu Demóstenes. A revista
transformou-se em um político influente, graças à apologia que fazia dele.
Juntos, as três pontas produziam escândalos, em um esquema articulado.
Cachoeira armava escândalos, muitos dos
quais contra adversários criminosos. A revista repercutia. Graças a essa
repercussão, os adversários eram alijados dos esquemas, permitindo a Cachoeira
tomar conta do pedaço.
Grande parte dos escândalos eram avalizados
por Demóstenes Torres - como o caso Francisco Escórcio, figura folclórica do
Senado, acusado pela revista de tentar espionar Demóstenes e o governador
goiano Marcone Perillo. A denúncia foi fundamental para o afastamento do
presidente do Senado, Renan Calheiros. Depois, comprovou-se que tinha sido
fruto de uma mentira orquestrada entre Demóstenes e a revista (http://migre.me/8tWID). Jamais
saiu o desmentido. Até que a Polícia Federal entrasse na parada, todos
ganharam.
A revista vendia mais e se tornava mais e
mais temida. Cachoeira expulsava inimigos do seu território. Demóstenes se
valia do poder conferido pela revista para atuar em favor dos interesses de
Cachoeira na administração pública e dos interesses da revista na geração de
escândalos.
Escrevi sobre esse tema em 2008, na série
"O caso de Veja". Trata-se do capítulo "O repórter e o
araponga" (http://migre.me/8tWrc).
Nele conto como Cachoeira, em parceria com a
revista, montou o escândalo da propina dos Correios - um grampo mostrando um
funcionário recebendo R$ 3 mil de propina. De posso do grampo, a revista monta
o escândalo. Como consequência, cai dos Correios o esquema liderado pelo
deputado Roberto Jefferson, e assume o esquema do próprio Carlinhos Cachoeira.
Dois anos depois, a Polícia Federal liquidou
com o novo esquema, mas a revista poupou seu parceiro.
Agora, a Operação Monte Carlo, da Polícia
Federal, chega ao âmago do poder de Cachoeira, e flagra 200 ligações entre ele
e o diretor da revista em Brasilia.
Há advogados que se valem da prerrogativa da
profissão para atividades criminosas. O mesmo pode ocorrer com setores da
mídia.
O grande desafio da mídia será mostrar sua
capacidade de autocorreção. Na Inglaterra, o caso News Corp trouxe
lições preciosas. Um veículo ligado ao magnata Rupert Murdoch aliou-se a
setores da polícia e afrontou direitos individuais de dezenas de pessoas. Foi
denunciado por outro jornal, o The Guardian. As investigações levaram a
punições severas aos envolvidos na trama, mas resguardou o valor maior da
liberdade de imprensa - justamente porque foi a própria imprensa soube se
autopoliciar.
Vamos ver como se comportará a nossa, quando
novos detalhes dessa parceria Cachoeira-Veja vierem à tona.
por Luis Nassif
Blog: www.luisnassif.com.br
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Faço só uma observação ao ponto de vista do Nassif: O problema não é "a Imprensa", trata-se de um fato concreto envolvendo a revista Veja que merece ser esclarecido. Ainda que se deixe tudo obscuro não será o caso de condenar a Imprensa, pois, Imprensa mesmo é algo muito maior que a revista.
É como disse a Presidente Dilma em seu primeiro pronunciamento após ter sido eleita: "É preferível o grito da Imprensa livre que o silêncio dos porões da ditadura". Mas há responsabilidades caminhando junto com essa liberdade...
A revista Veja tem um problema, é preciso que ela o resolva!
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